Nos últimos 20 anos, as geografias da arquitetura exploraram com muita atenção o uso, o habitar e a materialidade dos edifícios como elementos integrantes do que consideramos arquitectura, estendendo o seu significado para além da significação erudita proveniente da teoria arquitetónica ou da ideia do ambiente edificado como simples expressão de forças estruturais, que a economia política sustenta (Lees 2001, Jacobs 2006, Kraftl 2010). Refletir sobre a forma como as tecnologias, práticas e ideias fazem do ambiente edificado uma entidade vivida significa, pois, focarmo-nos ‘não apenas no que as pessoas ‘pensam’ sobre edifícios, mas no que elas ‘fazem’ neles: como as práticas quotidianas (…) dão vida a um edifício (…) e como estes excedem o ‘significado simbólico’ ou o ‘valor’. (Kraftl 2010: 407)
Entroncando com esta ideia de arquitectura, e como o próprio Siza afirma, a obra e a “palavra do arquitecto terminam no momento em que os edifícios são entregues aos moradores” (Fleck 1999: 87). Este projeto centra-se no processo que então se inicia, dando voz aos dois agentes até aqui silenciosos – as materialidades e tecnologias deixadas no edifício pelo arquitecto, por um lado, e os residentes que chegam após a retirada do arquitecto, por outro.
Este projecto analisa assim o modo como os moradores de habitação desenhada por Álvaro Siza experienciam e interagem com a disposição espacial dos seus apartamentos, as micro-tecnologias da casa, os espaços públicos dos edifícios e o estatuto de atracção turística dos prédios onde moram. O projecto procura preencher a lacuna de investigação existente sobre a obra de Siza, relativa à quase ausência de estudos sobre a recepção e apropriação da sua arquitetura pelos moradores. A experiência da arquitectura é aqui entendida num âmbito conceptual ligado ao modo como a materialidade e os elementos tecnológicos da habitação, além da mais clássica configuração espacial, co-constituem processos de adaptação e interacção com os indivíduos, fazendo emergir o evento “casa”.
O estudo debruça-se sobre três casos com populações com posições de classe diferentes, desde a população de baixos rendimentos para quem o Bairro da Bouça no Porto foi originalmente concebido, à população de classe média-baixa da Malagueira em Évora e finalmente à população de rendimentos muito altos dos Terraços de Bragança em Lisboa, não deixando no entanto de explorar os fenómenos de heterogeneidade social presentes em casos como a Bouça. O projecto analisa assim a ambição de Siza de projetar uma cidade ‘interclassista’ em locais concretos, procurando mostrar o processo de uma arquitetura vivida.
A investigação seguirá uma abordagem etnográfica, com recurso a entrevistas aprofundadas com moradores, visitas a casa e solicitação fotográfica de olhar ‘o/a morador/a em acção’ com a sua casa. A natureza interdisciplinar da pesquisa está alicerçada na experiência e formação variadas dos membros da equipa, que vão desde a Geografia e a Antropologia à Arquitetura e a Fotografia.